Foto: Nestor Tipa Júnior/AgroEffective |
Criadores debatem futuro da cadeia produtiva da carne no Rio Grande do Sul em evento promovido pelo Instituto Desenvolve Pecuária e pelo NESPro
O Instituto Desenvolve Pecuária reuniu, na tarde desta sexta-feira, 6 de dezembro, especialistas em pecuária, economia e carnes para debaterem o futuro da cadeia produtiva no próximo ano. Foi na Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), durante a terceira edição do Perspectivas, encontro já tradicional da entidade, com apoio do Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte e Cadeia Produtiva da Ufrgs (NESPro/Ufrgs).
O evento iniciou com a palestra de István Wessel, especialista em carnes, quarta geração da Carnes Wessel. Ele lembrou que o boi que é vendido pelo pecuarista, é visto pelo frigorífico como um conjunto de peças. “Assim, a busca pelo equilíbrio entre cortes diferentes é o que nos levou sempre a criar produtos”, ponderou. Wessel também ressaltou que quem manda no negócio dos pecuaristas, frigoríficos e varejo, é a dona de casa que está no mercado e vai comprar a carne para o almoço. “Nos anos 1970, eu quis trabalhar muito para criar uma marca e passei a fazer os pacotes para levar para a loja da Faria Lima, rua de classe média alta de São Paulo. Na época, fiz pacotes com quatro bifes, mas de lado a lado, para que o consumidor pudesse olhar e conferir cada fatia. Hoje, embalamos de um em um, pois ouvimos o consumidor” explicou, completando que “o nosso cliente é a dona de casa, o homem que foi buscar carne para o churrasco ou quem está sentado no restaurante”.
O especialista também citou as redes sociais como forma de disseminação de novidades. Contou que alguns clientes da Carnes Wessel têm, hoje, a maioria das suas vendas direcionadas aos aplicativos de comida. “A pandemia fez isso, mas também trouxe o crescimento no número de pessoas que passaram a cozinhar em casa”, ponderou István Wessel. Quanto às vendas, sugeriu que seja feita a precificação de forma a valorizar todas as carnes e, que seu pai, na década de 1950, decidiu vender coxão duro, não desejado pelas consumidoras, a um preço menor anunciando promoção, assim o corte passou a sair bastante. “Temos que fazer o preço do produto conforme ele vale na cabeça do consumidor. Não somos nós que fazemos o preço, é o mercado”, concluiu.
O economista-chefe da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), Antônio da Luz, começou sua palestra mostrando um quadro macro sobre a economia atual. Analisou o consumo interno de carne bovina que varia de acordo com o contexto econômico do país. Da Luz mostrou que sempre o maior consumo coincide com o aumento do PIB. No entanto, um PIB maior, construído de forma artificial, vai funcionar apenas por um tempo e precederá um período de crise. “E por que isso acontece? Porque o governo não corta os seus próprios gastos”, revelou.
Antônio da Luz apresentou uma série de gráficos que mostram a evolução do PIB por um período com o emprego em alta, mas com despesas públicas igualmente crescendo. “Com este PIB em alta de forma artificial nós estamos anabolizando a nossa economia. Ou seja, funciona por um tempo, mas não é sustentável, porque a estrutura da máquina do governo segue cara e ineficaz”, constatou. Afirmou que o mercado não tem como seguir financiando esse descontrole por muito tempo. “O que eu estou deixando claro é o seguinte: não façam nada nos seus negócios que possam ter risco de precisar do governo a partir do ano que vem. Não contem com o governo. Somos nós por nós mesmos, quem depender do governo no próximo ano estará condenado”, enfatizou o economista.
O último palestrante da tarde foi o professor Júlio Barcellos, do NESPro. Ele iniciou destacando que o setor continua esquecendo por completo do consumidor e segue olhando apenas o governo. “A pecuária Argentina continuou por todos os governos. No Uruguai, troca o governo e não muda nada. Para nós, muda o psicológico”, afirmou o professor, complementando que o preço do boi depende da circunstância. “O Brasil produz em torno de 12 milhões de toneladas de carne bovina. O brasileiro consome 9 toneladas. Se parar de exportar, quebra a pecuária”, explicou Barcellos. Para o professor, quando o assunto é preço, deve ser feito, primeiro, o levantamento do custo de produção. Apresentou dados em que o melhor preço do boi em cinco anos foi em 2022, com mais de U$ 6,00 a tonelada. Hoje, o preço está em pouco mais de U$ 4,00 a tonelada.
O professor alertou que não é para se esperar aumento de consumo de carne no Brasil. “A primeira carne consumida no país é de frango e a segunda de porco. A bovina vem em terceiro”, afirmou. Mostrou por gráficos, que na China, o aumento da renda per capita fez com que baixasse o consumo de arroz e subisse a de carne. Sobre o mercado internacional, Barcellos disse que nossos fluxos comerciais são muito pequenos. “Quem manda é a União Europeia, Estados Unidos, Canadá, China…,” ponderou. Contudo, no Rio Grande do Sul, o rebanho cresceu 12% e até novembro o abate foi menor do que em 2023. Até setembro, 172 mil terneiros foram exportados dentro daqueles nascidos no Estado. Também mostrou que 20 frigoríficos gaúchos abatem 60% do gado no RS. Júlio Barcellos alertou que apenas 50% do abate no estado tem inspeção sanitária estadual. “Vai exportar como?”, perguntou.
Sobre a redução de rebanho, Barcellos mostrou que houve, nas regiões de Bagé, Lavras do Sul, Dom Pedrito e Caçapava do Sul, queda de 36%. “A região perdeu 600 mil hectares para soja, equivalente a 1 milhão de cabeças de gado”, demonstrou. Já na região de São Gabriel, em 10 anos houve crescimento de 90% da área agrícola.
Para finalizar, o professor mostrou a projeção de preços para 2025. “A média esperada é de R$ 10,67 por quilo, se venderem ao longo do ano, mas não dá para projetar boi a R$ 12”, completou, dizendo que as chuvas da primavera deste ano darão um resultado menor em setembro. O professor ainda indicou que selecionou temas que devem estar na mente do produtor para o próximo ano: mudanças climáticas, gestão de riscos, inteligência artificial e sustentabilidade.
Na sua fala de abertura, a presidente do Instituto Desenvolve Pecuária, Antonia Scalzilli, lembrou que 2024 foi um ano muito desafiador, de muita garra, batalha e superação. A dirigente citou a campanha solidária realizada para auxiliar os atingidos pelas intempéries, com 700 famílias atendidas, R$ 2,252 milhões arrecadados. Também fez referência à entrega de 110 vouchers de R$ 1 mil para policiais militares que sofreram com a enchente.
Ao final do evento, Antonia avaliou o encontro como positivo. “Ficamos muito satisfeitos com o público que veio nos prestigiar. Cada vez mais a gente percebe que o Instituto está amadurecendo e crescendo pelo público que nos acompanha. São pessoas muito especiais, representativas e que realmente mostram e norteiam o cenário da Pecuária Gaúcha. Então isso nos deixa muito felizes”, comentou. Conforme a dirigente, foram três palestras incríveis, cada qual com a sua particularidade, “e também uma tarde fantástica para rever os amigos”.
Antonia destacou, ainda, o interesse do público com várias perguntas aos palestrantes. “Um público engajado e preocupado com o que vai acontecer no cenário próximo. É um momento de virada de cenário e esses encontros trazem mais credibilidade", concluiu.
Para 2025, o Instituto Desenvolve Pecuária já está preparando mais um evento com foco no setor pecuário. Trata-se do Congresso Internacional de Criadores, que ocorrerá nos dias 18 e 19 de junho, em Porto Alegre, no Barra Shopping Sul, junto com a 20ª Jornada NESPro. São esperados em torno de mil produtores de várias regiões.
Texto: Artur Chagas e Ieda Risco/AgroEffective
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