'Culpado', e a história é feita

 


"Culpado."

A única palavra que soou num tribunal de Manhattan, pouco depois das 17h00 da tarde de quinta-feira, abalou o país, tornando Donald Trump o primeiro presidente americano condenado por um crime.

Foi um marco – e, para os apoiantes de Trump, uma marca negra – na história americana.

A palavra “culpado”, na verdade, foi ouvida 34 vezes, quando o júri – sete homens e cinco mulheres – considerou o ex-presidente culpado de 34 acusações criminais de falsificação de registros comerciais para encobrir um pagamento secreto de US$ 130 mil a Stormy Daniels.

O veredicto quebrou o langor do final da tarde dentro do tribunal de Manhattan, onde o julgamento de Trump ocorreu ao longo do último mês e meio, período durante o qual o júri ouviu uma história abrangente e às vezes sórdida sobre sexo, recompensas e política presidencial.

Ainda não se sabe como o resultado afetará a campanha presidencial de 2024. Trump poderia usar a condenação para galvanizar a sua base e a angariação de fundos, como fez após detenções noutros casos, três dos quais ainda estão pendentes. Na quinta-feira, após a leitura do veredicto, ele atacou o que chamou de “um julgamento fraudado por um juiz em conflito que é corrupto”.

“Uma vergonha”, disse ele.

O aviso de Biden

Pouco depois de o veredicto ter sido lido em voz alta no tribunal, o presidente Biden publicou um apelo para angariação de fundos, dizendo que o veredicto por si só não seria suficiente para descarrilar Trump ou os seus apoiantes.

“Só há uma maneira de manter Donald Trump fora do Salão Oval: nas urnas”, escreveu Biden.

Isso foi uma coisa em que Biden e Trump concordaram: Trump disse aos repórteres que “o verdadeiro veredicto será dado pelo povo em 5 de novembro”.

Não está claro qual será o status legal de Trump no dia da eleição. É quase certo que ele recorrerá do veredicto de hoje, e esse processo poderá levar meses ou até mais. Entretanto, Trump irá confrontar os detalhes do sistema de justiça criminal do Estado de Nova Iorque: uma reunião com o Departamento de Liberdade Condicional, um relatório pré-sentença e depois – às 10h00 do dia 11 de julho – a sua sentença.

Trump, um réu primário, enfrenta liberdade condicional ou até quatro anos de prisão.

Essa decisão caberá ao juiz Juan Merchan, que foi alvo dos ataques de Trump durante o julgamento. Trump também atacou a filha do juiz – uma consultora política que trabalhou com democratas proeminentes – o que levou o juiz Merchan a ampliar uma ordem de silêncio antes do início do julgamento, impedindo o ex-presidente de atacar membros da sua família. A ordem também protegeu testemunhas e jurados, ambos alvos da violência de Trump.

Um triunfo para Bragg

O veredicto foi uma vitória para Alvin Bragg, o promotor distrital de Manhattan que apostou sua reputação em um processo questionado por muitos analistas jurídicos. Mas no final, sua estratégia foi vencedora.

O veredicto também forneceu justificativa para duas testemunhas cruciais: Michael Cohen, ex-advogado e mediador de Trump; e Daniels, a estrela pornô que testemunhou sobre um breve e desagradável encontro sexual com Trump em Lake Tahoe, Nevada, em 2006. Esse encontro levou ao pagamento de US$ 130 mil de Cohen, o que levou – por sua vez – ao seu reembolso, o que levou – por sua vez – à falsificação de registos comerciais pela qual Trump foi condenado.

Essa narrativa em cascata estendeu-se por uma década, desde o encontro no hotel até aos dias anteriores às eleições de 2016, e repercutiu num julgamento que submeteu tanto Cohen como Daniels a interrogatórios muitas vezes contundentes.

Trump negou ter feito sexo com Daniels, apesar de seus detalhes precisos sobre a noite do encontro - o que havia em seu banheiro, como ele esperou por ela de cueca, sentado em uma cama. Os advogados de Trump foram agressivos ao sugerir que ela estava mentindo, mesmo quando ela se manteve firme. Mas os advogados de defesa depositaram as suas esperanças na destruição da credibilidade de Cohen, a quem pintaram como um bajulador patético e oportunista sedento de dinheiro. Ele também permaneceu praticamente estável, apesar de admitir muitas mentiras durante sua vida e carreira, como consertador de Trump.

No final, pareceu que o júri não se deixou influenciar pelos ataques da defesa. Embora o depoimento tenha durado mais de cinco semanas, o júri levou menos de dois dias inteiros de deliberações para considerar o ex-presidente culpado.

A reação inicial de Trump foi silenciosa: ele sentou-se na sala do tribunal, numa cadeira de couro vermelho, ouvindo placidamente enquanto o presidente do júri repetia a mesma palavra indefinidamente. Enquanto os jurados individuais eram entrevistados, ele olhou para o banco dos jurados.

Momentos depois, aqueles 12 nova-iorquinos – oriundos de muitos bairros de Manhattan, onde Trump se tornou conhecido como um homem de negócios ousado – deixaram a sala do tribunal, passando direto pelo homem que tinham acabado de condenar.

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